22 a 30 de junho
Hermano Noronha | Biografia
Hermano Noronha (1967) é mestre em Criação Artística Contemporânea, pela Universidade de Aveiro, pós-Graduado em Fotografia, projeto e Arte Contemporânea, pelo IPI-Atelier de Lisboa e licenciado em Educação Física e Desporto. Em 2015 é finalista no prémio Internacional EI Awards 2015 - Encontros da Imagem, sendo selecionado como artista CreArt para a Exposição Europeia 2015, com o projeto “Aveirense”. Em 2014 recebe a Bolsa Estação Imagem Mora 2014 e inicia o projeto “Presente”, frequentando também o curso “Da Ideia ao Projeto” sob orientação de Virgílio Ferreira no Museu Côa. No mesmo ano é ainda convidado para a Coordenação Científico-Artística da Residência Artística “Conviver na Arte 2014 – Campo de Estudos”, da Fundação Robinson. Em 2013 participa como Fotógrafo Emergente no Projeto “Entre Margens”, promovido pela Fundação Museu do Douro e coletivo Kameraphoto…. Em 1990, começa a trabalhar colaborando como fotógrafo na revista AI – Amnistia Internacional, na secção portuguesa. |
No prefácio à obra, escreve Álvaro Garrido, Professor da Universidade de Coimbra e consultor do Museu Marítimo de Ílhavo:
“Meia-Laranja”, termo náutico comum a diversos lugares portuários ou de saída para o mar, é uma expressão que vai muito além do seu sentido mais literal: escotilha de serventia à antecâmara de um navio, segundo a definição comum dos dicionários. Literalmente, ainda pode designar um lugar, ou pedaço de território, em forma de semi-círculo.
A imaginação estética de Hermano Noronha e a sua apurada sensibilidade humana levaram-no a escolher este dueto de palavras como conceito aglutinador de um projecto fotográfico capaz de exprimir a poética de um território e de captar os seus marcadores simbólicos. Se a ideia foi fecunda, o processo criativo foi inclusivo e embrenhado na comunidade. O resultado artístico é belo e interpelante.
Quem conhece a Praia da Barra, em Ílhavo, e já percorreu o molhe da Meia-Laranja ao vento agreste que ali faz, compreende bem a densidade cultural e a carga semiótica desta expressão. No imaginário local e de toda a região lagunar de Aveiro permanecem vivas e contundentes as imagens associadas ao lugar: os lugres bacalhoeiros, de pano aberto, saindo a barra, esguios e imponentes, e as mulheres dos seus tripulantes, correndo e acenando no paredão, em choros copiosos. Ílhavas, gafanhoas, murtoseiras, nazarenas, competindo na saudade, quais viúvas de vivos. No ansiado regresso, eram idênticas as reacções e maior o drama.
A “Meia-Laranja” – aquela e não outra – é assim um lugar e um “não-lugar”, simultaneamente. Esta dicotomia de sentidos condensa a ideia que deu corpo a um projecto fotográfico que tomou como matéria de eleição as memórias desencontradas da grande pesca, na sua permanente hesitação entre o drama e a epopeia.
Na sequência de trabalhos anteriores em que expressou a sua inquietação artística pelas meta-narrativas da sociedade portuguesa – memórias traumáticas, que flutuam entre a exaltação e o recalcamento –, Hermano Noronha voltou a puxar pelo fio da memória das guerras coloniais. Desta vez, a guerra de África é invocada na sua mítica relação com a pesca do bacalhau. É este o ponto nodal do projecto e é este o exorcismo libertador que o artista nos propõe.
A estranha e lendária ligação entre esses dois mundos distantes e cruéis – os matos africanos e os mares do norte – manteve-se através de um obscuro diploma legal publicado em 1927, por obra da Ditadura Militar que precedeu o Estado Novo. Preparando o caminho para o ansiado “ressurgimento” de uma indústria nacional do bacalhau e oferecendo aos armadores crédito barato e alguma ordem no recrutamento das tripulações, o Governo penalizava como “desertores” os pescadores que faltassem ao embarque. Além disso, o Decreto nº 13 441, de 8 de Abril, definia incentivos para os mancebos interessados em matricular-se em navios nacionais destinados à pesca do bacalhau que, à época, só garantia dez por cento do consumo nacional. Desde que fizessem prova de matrícula nas capitanias dos respectivos portos, os mancebos podiam adiar o seu alistamento militar até ao limite de vinte e seis anos de idade. Além disso, aqueles que provassem ter cumprido, pelo menos, seis campanhas consecutivas de pesca nos mares da Terra Nova seriam dispensados de cumprir serviço militar e transferidos para a “reserva naval”. O Decreto foi cumprido marginalmente durante largos anos, mas adquiriu uma enorme importância quando rebentou a guerra em Angola, em 1961. A dificuldade que então já se sentia para recrutar homens para o bacalhau devido à emigração para França apressou o Estado a usar a velha lei como incentivo ao recrutamento. Confrontados com o dilema da opção por uma de duas guerras, muitos foram os homens que preferiram os icebergues aos matos. É desse drama humano, dessas realíssimas histórias de vida que esta exposição também nos fala.
As imagens são intensas e preocupadas com a inserção dos testemunhos no seu contexto simbólico. A presença regular de figuras humanas que viveram a aventura da pesca longínqua nos mares frios da Terra Nova, do Labrador e da Gronelândia coabita com a descoberta de inusitadas marcas de maritimidade que habitam no território e na alma ilhavenses. Nesta exposição feita de diálogos plurais com a memória, os narradores que revisitam o seu próprio passado são retratados na primeira pessoa, compondo um arquivo humano que se declara contra o esquecimento.”
“Meia-Laranja”, termo náutico comum a diversos lugares portuários ou de saída para o mar, é uma expressão que vai muito além do seu sentido mais literal: escotilha de serventia à antecâmara de um navio, segundo a definição comum dos dicionários. Literalmente, ainda pode designar um lugar, ou pedaço de território, em forma de semi-círculo.
A imaginação estética de Hermano Noronha e a sua apurada sensibilidade humana levaram-no a escolher este dueto de palavras como conceito aglutinador de um projecto fotográfico capaz de exprimir a poética de um território e de captar os seus marcadores simbólicos. Se a ideia foi fecunda, o processo criativo foi inclusivo e embrenhado na comunidade. O resultado artístico é belo e interpelante.
Quem conhece a Praia da Barra, em Ílhavo, e já percorreu o molhe da Meia-Laranja ao vento agreste que ali faz, compreende bem a densidade cultural e a carga semiótica desta expressão. No imaginário local e de toda a região lagunar de Aveiro permanecem vivas e contundentes as imagens associadas ao lugar: os lugres bacalhoeiros, de pano aberto, saindo a barra, esguios e imponentes, e as mulheres dos seus tripulantes, correndo e acenando no paredão, em choros copiosos. Ílhavas, gafanhoas, murtoseiras, nazarenas, competindo na saudade, quais viúvas de vivos. No ansiado regresso, eram idênticas as reacções e maior o drama.
A “Meia-Laranja” – aquela e não outra – é assim um lugar e um “não-lugar”, simultaneamente. Esta dicotomia de sentidos condensa a ideia que deu corpo a um projecto fotográfico que tomou como matéria de eleição as memórias desencontradas da grande pesca, na sua permanente hesitação entre o drama e a epopeia.
Na sequência de trabalhos anteriores em que expressou a sua inquietação artística pelas meta-narrativas da sociedade portuguesa – memórias traumáticas, que flutuam entre a exaltação e o recalcamento –, Hermano Noronha voltou a puxar pelo fio da memória das guerras coloniais. Desta vez, a guerra de África é invocada na sua mítica relação com a pesca do bacalhau. É este o ponto nodal do projecto e é este o exorcismo libertador que o artista nos propõe.
A estranha e lendária ligação entre esses dois mundos distantes e cruéis – os matos africanos e os mares do norte – manteve-se através de um obscuro diploma legal publicado em 1927, por obra da Ditadura Militar que precedeu o Estado Novo. Preparando o caminho para o ansiado “ressurgimento” de uma indústria nacional do bacalhau e oferecendo aos armadores crédito barato e alguma ordem no recrutamento das tripulações, o Governo penalizava como “desertores” os pescadores que faltassem ao embarque. Além disso, o Decreto nº 13 441, de 8 de Abril, definia incentivos para os mancebos interessados em matricular-se em navios nacionais destinados à pesca do bacalhau que, à época, só garantia dez por cento do consumo nacional. Desde que fizessem prova de matrícula nas capitanias dos respectivos portos, os mancebos podiam adiar o seu alistamento militar até ao limite de vinte e seis anos de idade. Além disso, aqueles que provassem ter cumprido, pelo menos, seis campanhas consecutivas de pesca nos mares da Terra Nova seriam dispensados de cumprir serviço militar e transferidos para a “reserva naval”. O Decreto foi cumprido marginalmente durante largos anos, mas adquiriu uma enorme importância quando rebentou a guerra em Angola, em 1961. A dificuldade que então já se sentia para recrutar homens para o bacalhau devido à emigração para França apressou o Estado a usar a velha lei como incentivo ao recrutamento. Confrontados com o dilema da opção por uma de duas guerras, muitos foram os homens que preferiram os icebergues aos matos. É desse drama humano, dessas realíssimas histórias de vida que esta exposição também nos fala.
As imagens são intensas e preocupadas com a inserção dos testemunhos no seu contexto simbólico. A presença regular de figuras humanas que viveram a aventura da pesca longínqua nos mares frios da Terra Nova, do Labrador e da Gronelândia coabita com a descoberta de inusitadas marcas de maritimidade que habitam no território e na alma ilhavenses. Nesta exposição feita de diálogos plurais com a memória, os narradores que revisitam o seu próprio passado são retratados na primeira pessoa, compondo um arquivo humano que se declara contra o esquecimento.”
CURIOSIDADE A marca, mais precisamente o centro da cruz (+), materializa um ponto coordenado (no limite, latitude e longitude) e, eventualmente, cotado (altitude) pela Brigada Hidrográfica nº2 (BH"), do Instituto Hidrográfico (IH), muito provavelmente, no âmbito de um levantamento hidrográfico levado a efeito na zona. Foi identificado como a marca 9/87 (n.º 9 de 1987). No IH, na sua base de dados de pontos coordenados, constará a respetiva ficha.
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